Eu fui o último a chegar. Mas também fui o último a sair.
Copos, garrafas, música alta, corpos nus. Aqui, eu sou o velho conhecido de dezenas de rostos desconhecidos. Nunca falei com esse pessoal. E eles raramente falam comigo. A verdade é que, num mundo tão problemático, nós somos apenas algum tipo de efeito colateral. Ninguém se importa. Ninguém nunca se importou.
Três e meia da manhã, e eu já estou conseguindo esquecer do meu próprio nome. Não sei quantas doses eu tomei, mas sei que, numa escala de 0 à 10, eu devo estar muito louco. Pra mim tanto faz.
Aquela morena ali do lado deu mole. Vem morena, vem provar um pouco do meu veneno.
...
Cheguei em casa, já estava amanhecendo. Pisei na ponta dos pés, abri e fechei a porta com cuidado, mas, ao passar pela sala, acabei esbarrando em alguma coisa idiota que se materializou no meu caminho, assim, do nada. Até tentei ficar sem respirar por alguns minutos, mas as minhas chaves ainda estavam fazendo barulho em algum lugar do meu bolso. Então tu acordou. Acho que acordou, não sei.
...
Uma súbita dor de cabeça me fez perder a noção do tempo. Era impossível saber se eu ainda estava naquele maldito lugar, ou se o estofado abaixo de mim era o de minha casa. Adormeci.
...
Quando dei por mim, eu estava caído no sofá com as pernas abertas. Minha boca tinha um gosto ruim. Muito ruim. Meus olhos ardiam, e o meu nariz estava pegando fogo. Você estava na poltrona, uma xícara de café na mão, a outra no encosto. Sua cara estava amarrada. Sabe aquela cara que as pessoas fazem quando querem espantar um urso raivoso? Pois é. Arfei.
O que foi que eu fiz?
— Você bebeu de novo Marcelo? Onde tu tava? Onde tu tava Marcelo?
— Hmmm.. não. Eu estava... eu tava...
Acho que te decepcionei. Não sei. Era difícil pensar, entende? Antes que eu pudesse terminar, você revirou os olhos, pediu para eu calar a boca. Sim. Você estava decepcionada. Mais uma vez.
— Júlia...
— Não! Eu não quero ouvir. Mas sabe de uma coisa? Eu só.. eu só queria entender porque você é tão autodestrutivo, Marcelo. Qual foi a última vez que você fez alguma coisa certa?
— Ontem. Quando eu disse que te amava.
— Por que você acha que eu ainda estou aqui?
— Qual foi a última vez que você me olhou nos olhos, Júlia?
— Quando você me bateu. Na semana passada.
Pronto. Tocamos naquele assunto. Aquele maldito assunto.
Semana passada foi difícil. O vício me fez perder a cabeça, eu sei. Mais uma vez, tive que passar por cima de todas as coisas que eu acreditava. Você tentou cuidar de mim. Tentou conversar, tentou dizer que eu só estava passando por um momento difícil... que iria passar. Mas meu coração batia tão depressa! Eu estava suando. Minhas mãos tremiam.
Então você tentou me abraçar. Por um momento, um breve momento, achei que estava ficando louco. Então te dei um tapa. Você caiu no chão. Eu saí correndo, de pura vergonha.
— Eu te pedi desculpas! Tu sabe, Júlia. Eu não sou um cara agressivo... eu nunca...
— Todos caras dizem isso.
— Será que nós podemos recomeçar? Sabe... esquecer.
Você ficou quieta. Por um momento, achei que aquele silêncio todo iria nos matar. Mas não.
— A noite foi boa ontem, Marcelo? Ela pelo menos era bonita?
— Mas que porra...
— Tudo bem. Tudo bem. Eu não quero entrar nesse assunto. Eu preciso ir trabalhar. E você... vê se toma um banho, tá legal? A casa tá fedendo. E... não sai hoje. Por favor.
Fiquei quieto. Você se levantou e deixou a xícara no meio da mesinha de centro. Olhando assim, de longe, até que o seu corpo tava inteiro. Ah Júlia... o que foi que eu fiz? Eu tenho uma mulher gostosa em casa. Muito gostosa. O que eu tô fazendo da minha vida?