Manuel gostava de criticar Luciana sempre que ela roía suas unhas. Mas não era só isso. Ele também odiava o jeito como ela andava, e, entre um copo e outro, gostava de soltar comentários maldosos sobre como ela se vestia. Luciana ficava quieta – era daquelas que não gostavam de discutir. Saia de perto, fingia não ouvir.

Eles brigavam muito. Quando ele deixava algo cair no chão, ela gostava de sorrir ironicamente enquanto balançava a cabeça em sinal de reprovação. Mas, quando ela dizia algo errado, ele baforava com força, transbordando de raiva por ela não saber a pronúncia certa de alguma palavra. E mesmo quando tudo estava bem, em ordem, um dos dois arranjava alguma desculpa para que as coisas não se acertassem – Luciana nunca deixaria Manuel ganhar; ele tampouco. 

Para o mundo eles eram o casal perfeito. Quando estavam em público, sorriam e contavam piadas inteligentes sobre os males sociedade. Mas será que ela conseguia mesmo disfarçar os problemas? Nessas horas, sentada em algum canto, Luciana se perguntava como é que um dia amou aquele homem que, hoje, lhe dizia como arrumar a mesa. E Manuel? Vivia se questionando porque casou com uma mulher tão complicada. 

Certo dia, no ponto de ônibus, os dois tiveram uma discussão um tanto quanto peculiar. “Você acabou de falar ‘dagrão’”, disse Manuel entre tragadas. “Dagrão!”. Luciana revirou os olhos, e tentou puxar na memória o momento exato em que isso aconteceu. Mas não conseguiu. Anos antes, três meses depois de se conhecerem, eles fizeram um pacto: Manuel teria permissão de alertá-la quando ela exagerasse nas piadas ou no mau uso português. Mas ele estava passando do limites! Ela nunca falaria “dagrão”. Ou falaria? 

A questão é que os dois estavam sempre em pé de guerra. Se ele tentasse mexer nos cabelos dela, ela dizia que estava cansada e que sim, essa atitude colocaria em risco o seu novo tratamento capilar. Ele não entendia. Em vez tentar, subjugava toda a força da mulher, despejando tarefas e teorias de como os adultos não sabiam amar. 

13 de abril e os dois decidiram comemorar, pela primeira vez em anos, o aniversário de casamento dos dois. Foram em um restaurante cuja especialidade era salmão cru ao molho shoyo. Diferente, exótico. Com um vestido preto e um salto alto elegante, Luciana se sentou e logo fez seu pedido. Manuel demorou mais um pouco, porque, enquanto bebia seu scotch e se inclinava para frente para ver os belos seios da mulher, ele gesticulava suas mãos gordas e dizia “Por que deixamos isso acontecer? Por que eu nunca percebi que tinha uma mulher linda ao meu lado?”

O sorriso de Manuel anunciou que os dois teriam uma noite daquelas. Eles comeram, conversaram, flertaram. “Adoro quando você me provoca”, disse ele numa voz sexy. Luciana não escutava esse timbre há anos! E então, quando ela percebeu para onde ele estava olhando, tratou de desviar os olhos, fazendo charme. Mas aí... aí a conta chegou. A pausa para a dramática burocracia, o silêncio destruidor de lares. O encanto se quebrou e trouxe os dois de volta para a mesa quadrada, onde os problemas existiam e as brigas eram parte da mobilha. 

Ah... o casamento. Deve ser isso o que acontece quando duas pessoas tão diferentes se atraem: o imã dura só por alguns anos, mas, com o tempo, ele tende a se desgastar. Eles cansaram. Cansaram de tentar e estão apenas dançando conforme a música. Até uma terceira pessoa aparecer.

QUEM ESCREVEU?

Iule Karalkovas
30 anos. Tem um gato chamado Alycia. Sonhadora, poeta, crítica. Ama escrever. Começou o VIDA E ÓCIO em 2012 e até hoje mantém postagens não tão regulares.

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