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        Se os últimos dois anos não foram difíceis para você, você é uma pessoa muito privilegiada - e há uma grande chance de também viver em uma bolha. Afinal, com uma pandemia mundial acontecendo e, mais especificamente falando do Brasil, muitas mudanças políticas, aumento de preços, desigualdade, pessoas perdendo tudo... e eu estou no meio disso tudo! 

        Falando sobre mim, os anos de 2018 e 2019 foram definitivamente os piores da minha vida. Uma desilusão amorosa e outra no âmbito da amizade, problemas sérios em um emprego que odiava, relacionamentos abusivos, perseguições, terror e pânico. Eu estava à beira do abismo, pronta para me jogar e acabar com tudo. Chorava todos os dias, vomitava tudo o que comia, não dormia direito, engordei 15kg, vivia aterrorizada, cercada de más companhias, trabalhava em ambientes tóxicos. Somado a isso, eu também sentia muita raiva do mundo, em como as coisas eram desiguais e injustas. Um belo dia, quando a pandemia começou e estava no auge da minha dor, gritei: Como Deus pode existir? Olhem tudo o que está acontecendo! 

        Foi em 02 de outubro de 2020 que as coisas mudaram. Que minha vida mudou. Veja bem, eu não estou aqui para fazer você acreditar em Deus, nem fazer desse texto algo chato, mas é preciso que você entenda que, se o que aconteceu naquele dia não tivesse acontecido, eu teria dois finais possíveis: a morte ou um surto psicótico. Realmente, estava no limite. E nada nem ninguém era capaz de me ajudar - só Deus. 

        Não vou entrar em detalhes. Mas digamos que sofri algum tipo de interferência externa. Felizmente eu estava acompanhada pelo meu melhor amigo e por uma conhecida dele, e as coisas não saíram tanto do controle. O fato é que, naquele dia, Deus falou comigo - e o mais importante, me salvou. Me falou e mostrou coisas que eu precisava ouvir e ver. Algumas delas, no fundo, eu já sabia, como por exemplo o fato de que eu deveria sair do meu emprego atual, pois ele estava me destruindo. Outras foram mais difíceis de aceitar - e demorei um certo tempo para agir e mudar. 

        Como lidar com aquilo que nós não sabemos explicar? Pois é. Eu sei, falando assim, é difícil acreditar, mas quando conto essa história em detalhes para as pessoas, é bem difícil não se emocionar e encarar a verdade de que sim, aconteceu. Nos dias que se passaram após aquele transformador 02/08/2020, muitas coisas aconteceram. Entrei de licença, voltei a frequentar a igreja, me conectei comigo e com Deus e, desde então - e até hoje! - Ele sempre fala comigo. São inúmeras as graças e mudanças que ele me proporcionou, e se eu mencionar... esse texto ficará bem maior do que eu planejei. 

        O fato é que em novembro de 2020 eu estava em um grande impasse - como sair do meu emprego se meus pais estavam aos poucos perdendo tudo por conta da pandemia e eu tinha um apartamento para sustentar? Foi em uma missa, então, que Deus sussurrou: Confie em mim! Saia, saia desse emprego! Eu nunca chorei tanto como naquele dia. Em dezembro, me colocaram de férias por quase três meses e eu soube: Se eu não saísse por conta do meu medo, Deus "mexeria os pauzinhos" para que as coisas mudassem. E foi em abril de 2021 que consegui outro emprego - durante meu período de aviso prévio, após ser demitida. Um emprego bom, que não era tóxico, e com pessoas maravilhosas. Incrível, né? 

        Desde então eu voltei a me exercitar, perdi 10kg, voltei para a terapia e me mantenho na linha da sanidade. Meus pais vieram morar comigo e ainda estou naquele período de adaptação e entendimento, onde tento melhorar e ser melhor a cada dia. Por vezes não consigo, é claro. Tem dias que ainda fico triste, que ainda acho que não mereço esse amor todo que Deus me envia. Eu me pergunto: Por quê eu? O que eu tenho de tão especial? São perguntas que quase sempre ficam sem respostas, e sei que um dia vou entender o propósito de tudo, mas a verdade é que isso me mudou. E, desde então, coisas boas não param de acontecer! Com isso, só chego à uma conclusão: quando você está disposta, realmente disposta e pronta para ouvir e enxergar tudo o que Deus tem para você, acontece. 

        Claro que meu processo de aceitação, mudança, autoconhecimento e de principalmente voltar a ser feliz não aconteceu da noite para o dia. Admito que, até dias atrás, eu ainda estava me sentindo desconexa com tudo. Sempre amei São Paulo, mas ultimamente estava me sentindo bastante solitária, não tão amada e muito fora do lugar. Eu pertencia mesmo a essa cidade? O que o futuro reservava para mim? As pessoas realmente me amavam e gostavam de quem eu era? Iria mesmo realizar meus grandes sonhos? Andava um pouco deprimida até que recentemente (mais especificamente na semana passada) realizei um dos meus grandes sonhos. Fui para Argentina!

        Desde pequena sempre gostei dos argentinos e principalmente do futebol argentino. Eu até torcia para a Argentina quando ela jogava contra o Brasil! E o meu ídolo era o Carlitos Tévez. Exótico, né? Então, prestes a completar 29 anos, resolvi fazer algo por mim e lá fui eu para Buenos Aires e Bariloche. Veja bem, em outubro de 2018, quando Deus falou comigo pela primeira vez, ele me disse "volte a ser aquela garota feliz que esteve sozinha no Atacama e superou seus grandes medos". Então, pessoalmente, essa viagem além de realizar um sonho também significava me conectar comigo e com aquela garota que subiu uma grande montanha mesmo que ela morresse de medo de altura, andou pelo deserto no meio de uma tempestade e não se intimidou com o escuro quando, todas as noites, a cidade ficava sem energia. 

        Dias antes da viagem um sentimento péssimo tomou conta de mim. Um certo... medo. Vou ficar solitária demais! Ainda estamos vivendo uma pandemia! Meus pais estão tristes e presos em casa! Meu espanhol é péssimo! Vou me sentir mais solitária do que me sinto em São Paulo, por não conhecer ninguém! Muitas indagações, sim? Mas eu silenciei todas. Silenciei todas e fui para minha viagem de oito dias sozinha, incluindo alguns dias em Bariloche, onde iria me enfiar no meio do mato e fazer muitos tours pela natureza. E essa foi... a maior e melhor decisão da minha vida. 

        Logo que cheguei em Buenos Aires ainda me sentia estranha e receosa. Mas, no dia seguinte... tudo mudou. Eu literalmente andei pela cidade toda, visitando pontos turísticos e me emocionando com todas as lindas arquiteturas maravilhosas que encontrava. Aquilo era o meu sonho! Eu me sentia feliz, completa e enfim conectada com aquela garota que esteve no Atacama em fevereiro de 2019 antes de tudo desmoronar. Mais do que isso eu também sentia que deveria e precisava estar ali e viver aquilo tudo. O tal do momento certo... 

        Mas, foi apenas em Bariloche que as coisas finalmente se encaixaram por completo. Lembra que disse que estava com medo de me sentir solitária? A verdade é que sim, eu realmente estava solitária por lá, mas sentir essa solidão era algo de que precisava. Veja bem, morando em São Paulo, uma cidade tão agitada, é fácil se sentir apenas mais uma na multidão. E após viver anos e anos sozinha em um apartamento, ter meus pais em casa estava sendo difícil. Ao longo de dois anos perdi tantas coisas (um amor, amigos, um emprego de 5 anos, minha liberdade), mas eu também havia ganhado muitas outras, certo? Então de onde estava vindo todos aqueles sentimentos? Por que eu estava tão desconexa e confusa? De onde vinha tudo isso? 

        Eu estava pensando em todas essas coisas em um passeio de barco quando conheci Nani e Mar. Nani, uma linda peruana de 30 anos que, para mim, representa muitas das coisas que desejo ser quando chegar nessa idade (eu sei, falta muito pouco!) e Mar, outra linda garota que ainda possui a doçura e sinceridade de uma mulher de 25 anos, mas que sofreu bastante e, por isso, é possivelmente uma das pessoas mais fortes que já conheci. Uma argentina nata, daquelas que qualquer um amaria conhecer. Analisando bem agora, já de volta ao Brasil, é como se três versões de mim mesma estivessem se encontrando ali, no país que sempre amei e sonhei em visitar. E esse encontro gritava a todo momento: Tinha que acontecer! Vocês tinham que se conhecer!

        Quando encontrei Nani, ela precisava de ajuda para tirar fotos e eu de um carregador de celular. Ela me emprestou seu cabo e eu, prontamente, comecei a tirar muitas fotos dela. Isso é incrível porque durante muito tempo estive mal com meu corpo e comigo mesma, e Nani para mim era tão bonita, como uma modelo, e eu pensei: Ok, posso chegar aos 30 assim se me cuidar! Se eu não chegar, tudo bem, ao menos posso tentar! Conversamos um pouco até que nos esbarramos em Mar... sim, seu nome como o oceano, e essa foi a primeira coisa que disse a ela (com meu péssimo espanhol). Lembro que imediatamente ela riu, um riso tão bonito e contagiante, que fez nós três caírem na risada. Mas Mar estava chorando, pois também se sentia solitária e também tinha suas questões. Não perguntei nem comentei sobre o seu choro, pois não queria ser invasiva. Ao longo dos dias ela me contaria sua história, e eu descobriria que tínhamos muito mais em comum do que eu imaginava.  Mas, naquele momento, nós apenas aproveitamos a companhia uma da outra. Eu havia acabado de conhecer duas pessoas maravilhosas, que carregavam muitas feridas e histórias tristes, mas estavam prontas para enfim virar a página. Te lembra alguém? 

        Em determinado momento, encontramos um gatinho muito fofo. Descobri que elas também amavam gatos! Eu tenho um gato, muitos sabem, mas o que poucos sabem é que ele foi um dos responsáveis por me salvar da depressão. Aquele momento foi tão lindo... claro que me marcou. Acontece que infelizmente o passeio estava acabando, e precisávamos ir embora. De volta ao barco, nos separamos. Fiquei muito triste com aquilo, porque tinha certeza que não as veria de novo... eu comecei a pensar: Por que nos separamos? Eu sou uma idiota, deveria ter ido com elas! Foi uma volta solitária para Bariloche. Já no porto, visualizava cada pessoa que saia do barco, na esperança de vê-las novamente... até que vi Nani. Ela sorriu, esperou que eu saísse da embarcação e me deu um abraço. Sim, um abraço!

        Vou te perguntar uma coisa: Quantos abraços você dá por dia? Quantas vezes abraçou os seus amigos ou alguém que você ama no último mês? Eu amo abraços, mas admito que dou muito menos do que deveria e gostaria. Por que abraçamos tão pouco as pessoas que amamos e nos importamos? E aquele abraço... ele foi tão carinhoso, sincero e inesperado! Nani me disse: Estamos indo para um bar, vamos? Não precisei pensar duas vezes. 

        Foi uma noite maravilhosa. Descobri que meu espanhol estava muito mais enferrujado do que eu pensava, mas isso não nos impediu de nos conhecermos, contar histórias, rirmos e nos entendermos. Em vários momentos eu precisava falar: Pode repetir e ir mais devagar? Nós ríamos, ríamos e começávamos tudo de novo. Eu repetia sempre: No Brasil nós falamos assim, como é aqui? E elas me respondiam e falavam: "Como?!" sempre que eu me embolava nas palavras. No meio de tantas confissões e conversas, acabei descobrindo que Nani também sempre teve o sonho de ir para a Argentina, e que Mar também havia passado por uma depressão e períodos sombrios. Nani se formou em jornalismo (como eu!) e é devota a Deus (como eu!) e, em vários momentos, nós três nos emocionamos muito. 

        Na hora de ir embora do bar - um lindo lugar chamado Manush, que se tornaria mais tarde nosso "point" - descobrimos que nós três faríamos os mesmos passeios com a mesma empresa e nos mesmos horários. Ok, qual a probabilidade disso acontecer? Entre tantas empresas e tantos tours disponíveis... é, realmente, Deus tem maneiras curiosas e divertidas de mudar e impactar a vida das pessoas. As coincidências não paravam de acontecer e os sinais gritavam! Nos despedimos com mais abraços apertados e um "até logo". Eu estava nas nuvens. 

        No dia seguinte descobrimos que, apesar de estarmos no mesmo tour, estávamos as três em ônibus diferentes. Isso não foi um problema. Encontrei Mar em uma das paradas, de costas, olhando para o lago. Eu sorri, ela se virou, sorriu de volta. Correu até mim e me deu um abraço apertado. Rimos, conversamos, tiramos fotos. Em outra parada, dessa vez mais longa, enfim estávamos as três juntas novamente. Almoçamos, rimos um pouco mais, tiramos as nossas primeiras fotos juntas e nos despedimos de novo. Pela noite, nos encontramos no Manush. Era como um ritual que aos poucos surgia... mas que acabaria um dia. 

        Nani foi a primeira a ir embora de Bariloche. Tivemos uma linda despedida, tiramos mais fotos, contamos mais segredos, nos conhecemos e choramos. Eu estava com a minha polaroid e tiramos três fotos iguais, uma para cada. E, embora ela estivesse indo embora, havia uma certa certeza... iríamos nos ver de novo. Demos um abraço triplo, foi lindo e, ao mesmo tempo, doloroso. Quando Nani subiu no ônibus, eu disse a Mar: Parecemos aquelas mães bobas que estão vendo o filho voar para longe de nós e ir embora. Nós rimos muito e acenamos descontroladamente pra uma Nani já chorosa. Ela se foi, agora só restava eu e Mar. Mas por pouco tempo, o dia seguinte era o meu último dia. Voltamos para o Manush abraçadas, precisávamos de conforto e de umas boas cervejas. 

        Fui embora de Bariloche na tarde seguinte, após ter um lindo - e gostoso - almoço com Mar, regado à vinho e mais confissões. Naquele momento eu já estava com o coração transbordado de tanto carinho que recebi em tanto pouco tempo, também tínhamos um grupo onde conversávamos e nossa conexão já estava estabelecida. Quando me despedi de Mar, após mais um abraço apertado, a acompanhei com o olhar até que ela desaparecesse na esquina, desejando com todas as forças que aquela mulher pudesse permanecer com a felicidade que ela havia vivido naqueles últimos dias e que nunca, nunca mais sofresse. Ela não merecia, nunca mereceu. Pedi a Deus: Que eu volte a encontrar essas mulheres, elas me ensinaram muito! Por favor, por favor Deus, cuide sempre delas! Faça com que Nani nunca perca sua garra e alegria de viver! Faça com que eu nunca perca essa felicidade e essas memórias!

        Quando voltei a Buenos Aires, Nani ainda estava por lá, tivemos um último almoço também. Ela me fez uma bela surpresa - algo que nunca ninguém fez por mim - pedindo um bolo e fazendo com que o pessoal do restaurante cantasse parabéns para mim (mesmo que essa não seja uma tradição do pessoal na Argentina). Choramos enquanto contávamos nossas histórias de vida, dávamos conselhos e fazíamos promessas: Vamos viajar muito ainda! Eu, você e Mar! E falando em Mar... tiramos uma foto para ela, falamos: Falta você! (Como eu e Mar havíamos feito no dia anterior para Nani). Rimos, rimos e choramos. Nos abraçamos. Nos despedimos... como é doce e preciosa a descoberta de algo que é maior que nós.

        Hoje, já de volta a São Paulo, não me sinto mais desconexa ou solitária. Sim, eu ainda amo essa cidade, mas essa viagem trouxe de volta a vontade de descobrir o mundo e, principalmente, me descobrir. De viver coisas novas, de conhecer pessoas, de ser feliz! Porque sim, eu mereço, e como mereço. Eu mereço ter mais abraços e momentos como os que vivi, mereço me sentir bem, presente e feliz. Eu mereço me sentir linda e amada. Eu mereço me reencontrar com Mar e Nani. E sei que vou. Essa é uma certeza que está tão firmada em mim que, embora eu sinta saudades, sei que a despedida será breve. E elas sentem isso também, falam isso a todo momento. Ontem mesmo tivemos nossa primeira videochamada, foi incrível. Filmei meu gato para elas, ele se comportou como um príncipe. Ficamos conversando por mais de uma hora, fazendo planos, contando sobre nossos próximos passos. Tiramos mais uma foto juntas - dessa vez, distantes, mas com a certeza de que, um dia, olharíamos todas aquelas fotos e relembraríamos de tudo. Felizes, juntas, como três grandes amigas. Amigas que, no início do ano, pedi a Deus. E ele me enviou. 

        É o que dizem: Me sinto pronta! Para ser feliz, viver grandes histórias. De ser a mulher que eu sempre quis ser. 

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QUEM ESCREVEU?

Iule Karalkovas
30 anos. Tem um gato chamado Alycia. Sonhadora, poeta, crítica. Ama escrever. Começou o VIDA E ÓCIO em 2012 e até hoje mantém postagens não tão regulares.

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