Mais um dia caótico no Metrô de São Paulo. Eu estava sentada [o que era uma espécie de milagre naquele horário] ao lado de uma mulher de meia idade enquanto lia a página 27 do meu livro quando senti um forte arrepio. Umedecendo os lábios, levantei os olhos da página, ainda absorta em meus pensamentos. Paramos na estação Santa Cruz e um homem muito bonito entrou - alto, esbelto, classudo. Usava um óculos um tanto quanto torto e o cabelo despenteado, como se estivesse tentando provar alguma coisa. Nas costas, uma mochila preta pendia, e o fio de um fone de ouvido fazia curvas no seu peitoral definido.

Olhei para o meu reflexo no vidro. Arrumei minha franja despreocupadamente. Vila Mariana. O vagão estava enchendo rapidamente... e ele continuava de pé, bem na minha frente. Talvez eu devesse voltar para a minha leitura? Ouvir uma música? Não. Eu estava nervosa demais. Inquieta, optei por mexer os pés no ritmo de uma música inexistente.

Ana Rosa.  Reparei que o "O Grande Gatsby" ainda estava no meu colo, mas, assim que tentei voltar a ler, desisti. Eu não conseguia tirar os olhos daquele cara - e ele sorria para mim! Sorria com os lábios repuxados, num tom de mistério. "Não fique vermelha" pensei enquanto quebrava o contato visual. "Fique calma. Não fique vermelha!''.

No fundo, é claro que sabia que estava ficando vermelha. E isso só acontece quando estou com muita vergonha, entende? Por isso, num ato de covardia, virei minha cabeça lentamente para encarar o meu reflexo, e lá estava ele novamente. Rindo por dentro, fiquei surpresa ao constatar que poderia continuar com o contato visual por ali - o que, diga-se de passagem, seria bem melhor.

Que olhos. Que boca. Que rosto perfeito! Talvez eu esteja até exagerando, mas a verdade é que aquele homem mexeu comigo. Sim, mexeu comigo. Trocamos mais alguns sorrisos e, duas estações antes da , resolvi me levantar - e agora eu estava bem atrás dele.
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"Aquele livro que você estava lendo'', disse uma voz rouca. "É muito bom". 

Ele não se mexeu. Nem um pouquinho. Engoli a seco e, por um momento, me perguntei se eu não havia imaginado aquela voz.

''Eu ainda estou na página 27'', respondi com uma voz trêmula. ''Mas já estou gostando".

Próxima estação: Liberdade.

''Você tem um bom gosto para a leitura'', indagou o rapaz, enquanto se virava lentamente.

Ficamos frente a frente. Silêncio. Com um meio sorriso, observei o vagão se aproximando do meu destino. Ele revirou os olhos. Mordi os lábios. Ele deu um passo em minha direção. Segurei minha bolsa firmemente. Arfei.

''Marcos. Meu nome é Marcos. Você vai para aquela direção?'', perguntou, quebrando o silêncio.

''Sim. Iule. Vou sim. É''.

Não dissemos mais nenhuma palavra. Que bela resposta a minha, hein? Eu sei, não sou muito boa com flertes. Mesmo assim, não desisti e desci na Sé - como sempre - seguida por ele. Na escada rolante, ficamos lado a lado... mas parece que a química havia se quebrado. Quando chegamos na plataforma, ele se virou abrutadamente para mim.

''Me conte o que você achou do livro. Quando terminar, quer dizer, me conte sobre as suas observações... anote o meu telefone''. 
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Meio minuto depois, lá estava eu com o telefone do rapaz anotado no visor do meu celular. Quando ele partiu, virei para o outro lado e andei lentamente, certa de que acabara de protagonizar um dos momentos mais estranhos, divertidos e alegres da minha semana.

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QUEM ESCREVEU?

Iule Karalkovas
30 anos. Tem um gato chamado Alycia. Sonhadora, poeta, crítica. Ama escrever. Começou o VIDA E ÓCIO em 2012 e até hoje mantém postagens não tão regulares.

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